Fluxo de Consciência
Um experimento de fluxo de consciência, sem a brilhância de um russo ou a capacidade inventiva de uma ucraniana. O valor desse pequeno texto está justamente na sua explosão que não pode ser lapidada.
Os cortes frios na pele, tão inebriantes que exigiam do corpo inteiro um calor para seguir pulsando. Alegria vã de outrora se fazia impossível, atravessando cada segundo como uma sombra distante. Era um luto coerente, prostrado em significados que se revelavam aos poucos. Seu rompimento não era comum, era com um projeto concebido de realidade. A incógnita se mostrava como regra impávida, insuperável, e trazia-o para a passividade feita na sua fraqueza. Somente delirando-se de vontades contrárias podia fazer-se vivo novamente. Alienado de certezas, acreditava livrar de si qualquer possibilidade de culpa. Tornado a frustrar suas vontades, ele se recompensava num turbilhão de saciedades.
Nada de volúpia, o vapor barato de novos mergulhos, sequer a possibilidade de ir ao confronto e voltar derrotado. O sangue era um pavor para os neuróticos, quanto nervosismo não possibilita que delirasse noites adentro, só, sem um alívio da consciência. Um carcereiro que habita entre suas costelas, que pode derivar sua intenção sempre para subjugar qualquer beleza ou amor à vida. Seria isto um espelho invertido e maldoso que se faz por demônio e lhe convence de que é a verdadeira face?
Na outra face, sua ansiedade se fazia sempre pensar no fracasso. Como sustentaria um castelo de frágeis lembranças e memórias? Quanta ética não foi subjugada pela sua vontade a esmo? Quantas palavras não foram proferidas pela sua língua com os olhos trêmulos? Lágrimas, suicídios hipotéticos, crises impossíveis de solucionar. No fim de uma década cogitaria a liberdade, uma estável vida distante de qualquer ritmo intenso. Corria para salvar-se, adentrando nas ruas sem vontade de dizer nada a ninguém. E então a justificativa do caos que já se fez tantas e tantas vezes. Ergue outro edifício para se tornar morada de um espírito. Mergulhadentro na religiosidade de crenças pálidas, ao deixar o coração bater, assiste com certo pesar o fracasso de tantas ideias criadas.
Outros mistérios surgem. Como a harmonia das orquestras, os campos floridos, a empresa multimilionária e o morador de rua concebem a vida de maneira menos explosiva que eu? Que sinal deverá ser exigido, que taxa deve ser paga, qual devoção ideal é necessária para conservar uma espécie de princípio? Seria isso um erro de caráter fúnebre, um lance de dados ao vazio e ao sofrimento, debaixo de tanta água que corre rio afora. Decerto que havia em cada bela flor um espinho envenenado, e quanto mais próximo do paraíso se aproximava se deparava com um enorme abismo que lhe exigia o salto. Os delírios eram reais, mas se intensificaram e cooptaram na inexatidão do sonho. Ao mínimo sonho errante, ofegava com mais intensidade o dia seguinte. Suas lembranças eram os suspiros.
Vivia sua revolta. Era destruir, gritar, proliferar o máximo de inconsistências. Fazer o mal ao próximo, sem cogitar o alívio. Não há rebeldia que se dissipe ao vento, está na genética. A violência dos momentos que a vida nos impõe e maldiz com tanta facilidade. Esses momentos que passaram e ainda virão, todos eles estão embebidos de uma força que nos impõe a condição de nos constituirmos a nós mesmos. Ao fim, o que restará é a fidelidade ao próprio destino, a quem se é e impossibilidade de ser outro alheio. O que fazer com isso tudo era a exigência que faz-se do homem, e os próprios homens combatem seus demônios a pedradas para expressar o mínimo do sentimento.
Se toda mágoa se banhasse de deleites, ao banho dourado de uma estética superior, seu julgamento e sofrimento legitimaram-se, tornaram deliciosa qualquer privação ou sofrimento. O mal desta vida é a falta de justificação, bastaria um sonho ser realizado, seu instante prolongado como a infinita extensão de dois pontos que nada disso seria um conflito. A noite com o pulsar sereno do coração, seu sono leve de criança, jazida num pomar ainda por dar frutos. Seu olho só vê as mudas que por acaso caem em seu rosto.
O dia envelhece de forma inesperada. Turbilhão de imagens adentram a consciência por meio de imensos esforços. Os trovões e sóis foram ultrapassados pela curvilínea que conserva em sua retina o som de todas as melodias. Ao empreitar a incalculável soma das sensações, novidades estouram atrás de um efêmero retrato: chamas verdes atraem as mesmas cinzas de sempre. Só se mostra verdadeiramente impetuoso a observação de olhos multicoloridos que se guiam em harmonia até o olhar. Viver exige refinamento, o mais promíscuo inverno não se retém a uma pintura qualquer do passado. Lembrança alguma resistirá ao tracejado límpido do céu azul. Escrever é ser pardal atento a todos os ramos. Não cessa, mesmo com o coração envenenado, seu voo mais impetuoso. Todas essas referências e harmônicas sequer pintam o quadro de um mês. Isto é o que fica, a impressão de ser sublime.
Às vezes oscilo entre me sentir invencível e minúscula. Mas o cerne perene é saber que abocanho, mastigo e me deleito com o mundo bem antes de todo mundo.
(O último parágrafo é uma contribuição de minha Amada Kayena, que sempre sensível se dispõe a sentir de forma única e destrincha a própria vida com graça e brilho.)
Tudo que vem de você é brilhante, meu Amado Logan Klippel.
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