O juízo final
Um grande idealista sonhava continuamente em solucionar o seu problema excessivo de enxaqueca. Esta acompanhava a todos os momentos. Enquanto lúcido, sempre atrapalhava seu trabalho em uma grande fábrica que produzia tinta vermelha, o dono achava que a produção de outras cores traria apesar de um grande lucro, uma perda significativa na qualidade. Era um processo muito usual, depois de todos aqueles anos e a mudança de diversos companheiros, esse idealista sonhava em um mundo além do vermelho. Já cogitava investir em ações de empresas de tecnologia com os trocados que sobrava, além de constantemente comprar mais livros de fenomenologia alemã, e consumir muita música clássica. Tudo isso o afetava de maneira intensa, sentia-se um ser excepcional, preso naquela maldita fábrica, sempre a limitar seu potencial artístico e humano. Jamais considerou produzir nada, pois tinha forte convicção da impossibilidade de uma criação superior ao que já existia até o século XX. O problema definitivamente estava na fábrica, muito mais na superestrutura que em qualquer outro lugar, era preciso recriar símbolos, reinventar o homem, trazer de volta aquilo de mais autêntico ao ser. Tal idealista só permanecia estático perante ao mundo por causa de sua dor, infelizmente aquilo o impedia de fazer qualquer grande revolução ou mudança estrutural, e assim se seguiu até o momento em que deixou de trabalhar, devido a tanta dor. Já não pensava mais no que comer, ouvir ou estudar. Tudo que sentia era um permanente e doloroso estado febril, onde aquilo que sonhara e o que vivera não era mais mensurável, era tudo semelhante a um borrão naquilo que já fora um homem considerado intelectual.
Num dia não muito específico, após finalmente alguns dias de jejum intermitente, finalmente desistiu de comer qualquer coisa, bebia apenas água para continuar a falar quando lhe era necessário contrariar a si próprio, era acima de tudo um homem extremamente dialético, sempre continuando a sonhar com enfim uma humanidade que supere a banalidade das instituições e dos símbolos. Era preciso uma grande alteração na linha de produção da sociedade. Isso tudo incomodava-o de tal modo que o único pensamento que lhe pertencia a todo o tempo, lúcido ou não, era o de alcançar o próximo estágio evolutivo do homem. Em seus sonhos mais intensos, via uma grande euforia espalhar-se por toda as cidades, onde todos corriam para todos os lados anunciando o prenúncio do fim, e isso causava sensações muito mistas em seu interior.
Após algumas semanas, já era impossível ao idealista pensar qualquer coisa, era um estado totalmente vegetativo, onde não possuía mais massa nem extensão, ainda assim estava exausto, nada o diferenciava mais de um átomo, já não enxergava nada, nem obtinha qualquer sensação dos sentidos, apenas obtinha a sensação de angústia e uma grande opressão da gravidade sobre si, como se estivesse carregando o mundo nas costas, de forma que cada segundo era bombardeado de uma grande vinda febril, colérica, impossível de ser racionalizada.
O homem então finalmente despertou-se de um sono profundo, sentia-se tão bem que esqueceu completamente do que outrora fora, encontrava-se finalmente observando cada indivíduo particular do mundo, e sabia que todos sentiam sua presença, sabia que não precisava mais pensar, pois todo o conhecimento já estava inato em seu ser, o objetivo final era simples e só precisaria ser pronunciado uma vez, de modo que cada particular seria alcançado por seu convencimento de maneira instantânea. Sua presença emanava uma luz comparada ao de uma grande estrela, que se aproximava ao horizonte de todos os lugares do planeta. Discursou então o idealista: - Todos vocês precisam ser expurgados, abandonar o que se faz aqui. É tudo uma perda de tempo! Os humanos precisam superar a sua própria natureza! Sirvam ao seu grande propósito!
Logo após, sentenciou sete bilhões de pessoas a morte, não de forma instantânea, mas alcançava milhares por segundo, de modo indolor, impessoal, imparcial, perfeito como tinha de ser. Foi assim o processo até ele sobrar apenas uma pessoa por país no mundo. Então o idealista satisfeito descansou, extinguiu sua própria existência muito satisfeito e sabendo que foi a decisão certa para a humanidade reinventar-se.
Um mês depois, todos se mataram.
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